A sociedade contemporânea, com todas as suas nuances de modernidade e igualdade de gênero, ainda carrega traços profundos de um patriarcado que persiste em se adaptar às conveniências de cada época. Se antes o homem era esperado como o único provedor, hoje a mulher é convidada — ou forçada — a compartilhar ou assumir essa responsabilidade, enquanto antigos privilégios masculinos permanecem intactos.
O discurso de independência financeira feminina é celebrado como um marco do feminismo, mas na prática, muitas mulheres ainda enfrentam a sobrecarga de papéis. Elas devem ser profissionais exemplares, mães cuidadosas, companheiras compreensivas e, agora, provedoras financeiras — tudo isso enquanto cumprem com os deveres domésticos que historicamente lhes foram impostos. A pergunta que surge, então, é: o homem moderno quer uma parceira ou uma solução para a própria vida?
Ao refletir sobre a construção de relacionamentos, percebe-se que muitos homens desejam o lado conveniente da modernidade: mulheres independentes, que não dependam deles financeiramente, mas que, paradoxalmente, estejam disponíveis para solucionar seus problemas emocionais, domésticos e, por vezes, financeiros. Esse comportamento revela uma perpetuação do machismo, agora mascarado por um discurso de igualdade.
A modernidade trouxe uma nova roupagem ao casamento e aos relacionamentos, mas a essência de muitas exigências masculinas pouco mudou. Querem a parceria sem a reciprocidade; querem o apoio sem o comprometimento equivalente. Nesse contexto, a mulher se vê diante de um paradoxo: ao se libertar de antigas correntes, encontra-se presa a outras, criadas por expectativas irreais e pela ausência de um verdadeiro compartilhamento de responsabilidades.
Homens querem o lado bom, e as mulheres?
Essa dinâmica exige uma revisão honesta: será que as mulheres estão aceitando essa desigualdade velada por medo de ficarem sozinhas? Será que, ao permitir que essa lógica se mantenha, contribuímos para a perpetuação de um ciclo de sobrecarga emocional e física para um gênero?
A reflexão aqui não é uma acusação, mas um convite: que homens e mulheres revisem seus papéis, desconstruam expectativas desiguais e reconstruam relações baseadas no respeito, na colaboração e na verdadeira igualdade. Afinal, a modernidade que tanto se celebra só será real quando ambos os lados forem vistos e tratados como iguais, em todas as esferas da vida.
Autora: Ana Lúcia Ricarte.